terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

EU ME APAIXONEI POR UM GAY!

Da maravilhosa revist Marie Claire de 12/04/2001, esse depoimento igualmente maravilhoso que transparece uma boa parte de mim no momento.

Há um ano, a economista Renata*, 26 anos, se apaixonou por Jorge, um homossexual recém-saído de um casamento de nove anos com outro homem. Viveram uma relação curta, mas intensa. Nos três meses de namoro, ela descobriu uma nova sexualidade e chegou a sonhar com a possibilidade de ele virar heterossexual. Eles ainda se encontram, mas Jorge voltou a sair com outros homens


"Conheci Jorge em abril do ano passado. Eu estava sozinha há três anos e desencantada com a possibilidade de encontrar um namorado. Tinha casos passageiros e compensava o vazio afetivo no trabalho. Até que um colega me propôs um projeto profissional a três, envolvendo Jorge, amigo dele, também economista. Comentou que esse amigo era gay e estava saindo de um casamento de nove anos com outro homem. Jamais imaginei que seria ele a me despertar novamente para o amor.

Marcamos uma reunião para discutir o projeto. Achei Jorge interessante. Ele tem 32 anos, estava de jeans e camisa branca, parecia um homem sereno e observador. Se eu não soubesse, não diria que era gay, porque não fazia o tipo afetado. Sentada na cabeceira da mesa, passei a reunião toda reparando nele. No fim, quando fiquei sozinha com meu amigo, falei: ‘Que cara lindo! Se ele não fosse gay, eu namoraria’.

Lembrei que já tinha visto Jorge em uma festa, há uns três anos. Ele foi com o marido na casa de uma amiga minha. Cheguei até a tirar uma fotografia dos três. Na reunião seguinte, levei a tal foto para ele ver. Começou a rolar uma empatia. Reclamei de dor nas costas e Jorge me provocou, dizendo que fazia uma ótima massagem, mas só em quem gostava. Imaginei que os homens deviam passar bem nas mãos dele.

Um dia, no fim de uma reunião, ele me disse: ‘Quero te conhecer melhor’. Não entendi bem, achei que ele queria falar mais sobre trabalho. Sugeri um encontro no fim de semana e, no sábado, fomos tomar uma cerveja. Foi nesse dia que percebi que havia duplo sentido naquela história de me conhecer melhor. Notei olhares, toques, e fui retribuindo. A idéia de ter algum envolvimento com ele, sabendo que era homossexual, me excitava. Senti que dali poderia sair um beijo, dois, três… Mas não aconteceu nada nesse dia. Ele até me convidou para ir até o seu apartamento, mas fiquei em dúvida se o convite era por educação. Agradeci e adiei para o dia seguinte.

Eu combinei com um amigo de jantar em um restaurante próximo à casa de Jorge. Saí mais cedo e dei uma passada por lá. Jorge me mostrou o apartamento e me serviu chá inglês. No meio da conversa, me queixei da coluna. Ele pediu para eu tirar o casaco e começou, lentamente, a massagear minhas costas. Senti seu calor, sua respiração próxima ao meu pescoço. Ele disse que minha pele era macia e que gostava do meu cheiro. Começamos a nos beijar e o meu celular tocou. Era o meu amigo, que me esperava no restaurante. Jorge pediu para eu voltar ao apartamento depois do jantar.

Mal consegui comer com tamanha excitação entalada na garganta. Também não conseguia me concentrar na conversa do meu amigo. Em menos de duas horas, pedimos a conta e eu voltei para a casa do Jorge. Ele abriu a porta e me levou pela mão direto para a cama. Eu me deixei levar, sentindo uma mistura de curiosidade, medo, tesão. Por um segundo, perguntei a mim mesma o que estava fazendo ali, mas pensei: ‘Ele é homem!’. Fechei os olhos e fui em frente.

Era a minha primeira vez com um gay. Já havia tido duas experiências com mulheres, mas ainda hoje não consigo me imaginar saindo com uma garota para jantar, namorar. Essas relações apenas aconteceram. Com ele, a situação era totalmente diferente. Afinal, ele sempre se assumiu homossexual, apesar de eu não ter sido a primeira mulher a transar com ele. Eu era a primeira nos últimos dez anos. Senti uma fragilidade nele, uma postura carente. Não foi uma transa louca, daquelas que o cara joga a mulher na cama. Se eu fosse me basear pelo sexo, por essa primeira vez, a gente nem sairia de novo. Mas quando deitei a cabeça no travesseiro pensei na situação como um todo: naquele dia tínhamos rido, aberto livros, conversado. Era como se eu o estivesse iniciando no mundo feminino e isso me dava satisfação.

No dia seguinte, no café da manhã, percebi que ele levantava o dedo mindinho ao pegar a xícara. Disse para ele abaixar o dedo, e a gente riu muito. Depois vi que isso era uma tremenda bobagem. Muitos homens levantam o dedo da mesma forma e nem por isso são gays.

Passamos a nos ver quase todos os dias. Jorge era carinhoso e tinha atitudes delicadas, como dar presentes sem motivo ou preparar um jantar para mim. A cada dia nossa transa ficava mais gostosa. Ele queria saber tudo sobre meu corpo, perguntava o que me satisfazia e aprendeu tudo direitinho. Quando estava dentro de mim, ele delirava e falava que a sensação era o máximo. Parecia sentir o sexo feminino de uma maneira diferente, como se percebesse cada milímetro de penetração, cada gesto, cada mexida. Dizia que não sabia como não tinha sentido aquilo antes.

Essas coisas massageavam o meu ego. Eu nem acreditava que estava vivendo uma experiência tão diferente e tão boa.

Sempre que idealizava um homem, eu não pensava em um cara rústico, brutão. Entendo o homossexualismo feminino por esse lado. As mulheres buscam em outras mulheres uma suavidade que às vezes não encontram nos homens. Ou encontram isso em um gay. Jorge tinha os dois lados: o homossexual, que fazia dele um homem gentil, sem perder aquela coisa de proteger, ser maior, segurar, abrir a porta, botar a mulher para o lado de dentro da calçada. Eu adorava suas mãos, dedos, braços, barba. Ele se arrumava e me perguntava: ‘Estou com cara de homem?’. Era divertido saber que ele era provido dessa dualidade. Isso o tornava ainda mais especial para mim.

Eu não podia fazer com que ele deixasse de gostar de homens, mesmo que isso fosse um conflito para mim. Ele se assumia gay e não bissexual. Eu sabia que, se ele fosse para uma ilha deserta, levaria um homem e não uma mulher. Tinha dias em que estávamos tão bem que eu achava que ele poderia se ‘converter’, mas logo caía na real e via que não era possível. Então vivia o presente. Quando pintavam dúvidas, eu fechava essa gaveta.

Foram três meses intensos e poucas pessoas sabiam da nossa relação. Decidimos pelo silêncio, pois tínhamos amigos em comum, inclusive o ex-marido dele. A situação era singular e seria um prato cheio para fofocas. Cheguei até a conhecer os pais e a irmã dele, que aceitavam a opção sexual de Jorge, mas acharam legal ele estar com uma mulher. Transávamos sempre de camisinha, mas ele dizia que adoraria ter um filho. Isso não passava pela minha cabeça, ao menos nessa velocidade, mas pensei que poderíamos viver juntos. Meus pais também gostaram dele, apesar de nunca terem sabido que ele é gay.

Eu tinha medo de ele ter uma recaída com o ex-marido, pois estava magoado, frágil. No casamento, Jorge se sentiu em segundo plano. Ele achava que tinha se doado demais. Comigo ele estava invertendo os papéis, saindo de uma submissão e ditando as regras. Mas eu tinha ciúme. Um dia fui a um shopping na hora do almoço e vi o ex-marido dele por lá. Pensei: ‘Será que eles têm um encontro?’. Telefonei para o Jorge para verificar se estava no trabalho. Depois fiquei observando o cara e era inevitável imaginar os dois transando. Jorge não me dava detalhes sobre esse assunto. Eu perguntava como era, se eles tinham papéis de homem e mulher, e entendi que não havia regra.

Às vezes, tinha vontade de ter uma atitude masculina com ele. Essa possibilidade me excitava, mas ele nunca deixou. Percebi que ele não me queria na figura masculina, ao contrário. Pedia que eu vestisse roupas superfemininas, gostava de ficar olhando eu me vestir, secar o cabelo ou passar o delineador. Afinal, estava acostumado com lâmina de barbear, perfume de homem, terno. O universo feminino era uma novidade para ele. Ao mesmo tempo, foi ele quem me ensinou o jeito certo de amarrar lenços no pescoço.

Passamos por situações engraçadas. Uma vez uma amiga nos convidou para comer fondue, e o marido dela, que não sabia que Jorge era gay, comentou algo como: ‘Isso é coisa de veado’. Olhamos um para a cara do outro e caímos na risada. Tínhamos uma cumplicidade gostosa, um humor sadio. Quando eu saía para comprar roupas com ele, tinha liberdade de dizer: ‘Essa não, parece de gay’. Um dia, vi um par de sapatos femininos no closet dele. Ele brincou que usava de vez em quando, depois contou que eram da mãe.

O que me incomodava era encontrar seus amigos gays. Em eventos de trabalho, por exemplo, ninguém sabia que a gente namorava, e os caras davam muito em cima dele. Eu ficava louca. Eles chegavam dando dois beijinhos, pegando no braço. Tudo bem, tem gente que se cumprimenta assim. Mas, no universo gay, dois homens se cumprimentando com dois beijos significa que eles têm intimidade. E eu achava que ele não tinha que dar essa liberdade. Mas Jorge se divertia com a minha irritação. De resto, éramos um casal normal e romântico.

Nunca me esqueço de um dia em que fomos à festa de 15 anos de uma prima minha. Fiquei até reticente em levá-lo. Ele não estava muito acostumado com festas desse tipo. Mas foi, e superproduzido, de terno e gravata. Minhas tias acharam que ele era um deus grego! Tomamos muito uísque e éramos o casal que mais dançava. Voltamos dirigindo a dois quilômetros por hora. Quando chegamos à casa dele, transamos supergostoso. No dia seguinte, falei: ‘Foi tão bom ontem!’. E ele, assustado: ‘Eu transei com você?!’. Isso é bem de homem…

Depois de três meses, entrei em uma fase triste. Sou pé no chão, possessiva, queria estar mais junto dele. ‘Mais ainda?’, ele dizia. Eu ficava incomodada com o fato de ele não me apresentar a algumas pessoas, por exemplo. Numa noite de domingo, dormi na casa dele e forcei a barra para transar. No dia seguinte, ele não acordou de bom humor. No meio da semana, senti o coração apertado, fiquei mais quieta e ele achou que eu estava fazendo birra por causa da transa do domingo e começaram a rolar pequenos desencontros.

Ficamos uma semana sem nos ver até que um dia telefonei para combinar nossa ida a um show. Aquele dia fazia três meses que estávamos saindo juntos, e Jorge insistiu ao telefone que fôssemos almoçar. Pensei que ele tinha preparado uma surpresa, mas também imaginei que poderia terminar comigo. O almoço foi tenso, eu tinha vontade de dizer que estava feliz, beijá-lo, mas fiquei dura.

No fim, ele me acompanhou até o carro e disse que não dava mais. Meus olhos se encheram de lágrimas, minha garganta travou, não consegui nem questionar.

No carro, senti meu estômago revirado, chorei muito. Poucos minutos depois, telefonei para ele e disse que queria encontrá-lo. Não me conformava com a idéia de que algo tão especial acabasse assim. Marcamos um encontro no fim da tarde, no Parque do Ibirapuera. Ele disse que levaria meus CDs e, então, senti que a nossa história não tinha volta. No encontro, nós dois choramos. Ele disse que eu era maravilhosa, que tinha sido atraído pelo meu lado feminino, mas eu havia pressionado alguns ‘botões’ nele que não foram legais, cobrando uma postura com a qual ele não sabia lidar.

Enfim, ele não queria se comprometer ainda mais comigo. Chorei muito por muito tempo. Ele foi o único homem que me levou ao céu e ao inferno. Senti sua falta, achei que ele não tinha sido sincero no fim. Seria tão mais fácil se ele tivesse dito: ‘Até gosto de mulher, mas meu negócio é homem’. Hoje sei que esse foi um dos motivos, por que ele me contou. Mas na época ele não foi direto ao ponto, e isso me magoou. Afinal, tínhamos cumplicidade suficiente para isso.

Eu e Jorge não nos vimos durante quatro meses. Depois ele me procurou para ajudá-lo em um trabalho. Transamos algumas vezes e foi muito bom, apesar de senti-lo fechado quando eu queria falar sobre sua vida pessoal. Soube que ele voltou a sair com homens. Às vezes até questiono se conheci realmente quem ele é. Sei que fui importante para ele, mas comparo seu envolvimento comigo como a experiência de viver em outro país: era tudo novo e excitante. Continuamos nos encontrando e, quando estamos juntos, sinto que ele fica mais homem. Outro dia fomos para uma praia, estávamos em uma roda gay, e os amigos dele comentavam que ele estava recatado. Faziam piadas do tipo: ‘Quando você não está aqui ele vem de babydoll’, referindo-se a mim. Na volta, fomos almoçar no Terraço Itália, visitamos uma exposição e ainda fomos a um desfile de modas. Comentei: ‘Que dia cheio!’. Ele respondeu: ‘E eu ainda vou te comer’. Nessas horas ele se revela um homem e é desse Jorge que eu gosto.

Apesar das recaídas, não passa pela nossa cabeça voltar. Meu sentimento está minguando, mas sei que só vou esquecê-lo quando me apaixonar novamente. Não me arrependo de nada. Com Jorge, ampliei meus horizontes, ganhei jogo de cintura, aprendi a entender outro universo, cresci. Se hoje eu conhecesse um cara com esse perfil, talvez fosse mais difícil me envolver. Mas não acho que uma mulher tem de fechar essa possibilidade. Se um homem a completa emocionalmente, a satisfaz sexualmente, por que ficar pensando: ‘Ele é ou não é?’. Pode ser uma experiência interessante. Não estou de portas fechadas para isso, só estou mais esperta.”

Depoimento a Rosane Queiroz
* Os nomes foram trocados para preservar a entrevistada

0 comentários: